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Conversas do Opará

A rotina de dois médicos indígenas durante a

Pandemia do Corona Vírus



Por: Felipe Tuxá (Docente UNEB Campus VIII e Pesquisador indígena vinculado ao Opará)

É com grande preocupação que acompanhamos o avanço da Pandemia do Corona Vírus em territórios indígenas. A atual situação evidencia as intensas vulnerabilidades que marcam o cotidiano desses povos frente aos desafios estruturais que envolvem o acesso a saúde específica, medicamentos e informação. De acordo com o levantamento realizado pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) até 15 de maio foram contabilizados um total de 44 povos indígenas afetados pelo Corona Vírus com 504 indivíduos contaminados e 103 óbitos. Esses números, que aumentam a cada nova notificação, nos preocupam muito e foi pensando em difundir conhecimentos e informações sobre o modo como esse vírus ameaça as realidades indígenas que nós do OPARÁ realizamos essa entrevista com dois médicos indígenas que estão atuando junto a diferentes povos durante a Pandemia.

Conversamos com Vazigton Pataxó médico pela Universidade Federal de Minas Gerais, Especialista em Medicina de Família e Comunidade em 2019 pela Universidade Federal de Minas Gerais e Especialista em Preceptoria em Medicina de Família e Comunidade em 2020 pela Universidade Aberta do Sistema Único de Saúde (UNA-SUS) e com Pedro Henrique Tuxá também Médico Generalista pela Universidade Federal de Minas Gerais, Pós Graduado em Saúde Indígena pela Universidade Federal de São Paulo, sobre seus trabalhos profissionais de saúde atuando no Subsistema de Saúde Especial Indígena (SESAI) na Bahia e Alagoas respectivamente.



OPARÁ: Você poderia nos falar sobre em que consiste o seu trabalho enquanto indígena e médico no Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI) no qual trabalha?


Vazigton Pataxó: Há 01 ano iniciei trabalho no Pólo-Base de Itamaraju compondo a equipe, como um dos médicos assistentes. Somos equipes-volante, o que quer dizer, que nos deslocamos para atendimento dos pacientes. Trabalhamos em 22 aldeias, divididos em três equipes, que, de segunda a sexta, das 08 h às 17 h se dirigem às suas determinadas aldeias. Como médico atuamos na atenção primária à saúde (APS), fazendo acompanhamento de pacientes em suas diversas comorbidades (HAS, DMII, etc) e demandas (puericultura, pré-natal, vacinação, etc). Como indígena busco incentivar o uso da medicina tradicional indígena do nosso povo.


Pedro Tuxá: Eu trabalho há 03 anos no DSEI-Alagoas, no Polo Base Kalankó, em Água Branca/AL. Os Kalankó são provenientes dos Pankararu do Brejo dos Padres-PE. A afirmação da identidade indígena ocorreu em julho de 1998. Temos algumas lideranças como Antônio que é Secretário de Saúde de Água Brainca, o Cacique Paulo e o Pajé Antônio.

Por ser indígena e médico, entendo a importância de unir a medicina tradicional com a biomedicina. Em algumas situações procuro pela orientação do Pajé Antônio, o qual é bastante atuante e sempre que preciso conversamos sobre a saúde dos indígenas.

Atuo como médico de atenção primária à saúde e faço parte de uma equipe de saúde que trabalha há muitos anos no Polo Base Kalankó. Existe muito respeito pela cultura da comunidade.


OPARÁ: Atualmente estamos acompanhando a ameaça do avanço da pandemia do Corona Vírus em povos indígenas. Como a sua rotina de trabalho foi alterada pela pandemia e qual a situação de saúde atual dos povos indígenas com os quais você trabalha?


Vazigton Pataxó: Com a chegada da infecção pelo Coronavírus no país, algumas rotinas foram alteradas. Maior precaução quanto a higienização dos locais de atendimento, bem como dos atendimentos, reuniões internas, elaboração de fluxograma para atender uma possível demanda que possa vir a ter, gravação de vídeos-educativos, criação de panfletos informativos, reuniões com principais lideranças para educação da comunidade, orientação quanto fechamento de Parques do entorno, maior engajamento na identificação e acompanhamento de casos de Síndrome Gripal, cursos de capacitação para realização de testes diagnósticos. Este cenário fez com que adiantássemos a época de vacinação, uma medida complementar importante, e que divide o tempo com as demandas da pandemia. Felizmente, em nossas aldeias não temos casos suspeitos ou confirmados até o momento, o que nos faz focar principalmente na questão da prevenção.


Pedro Tuxá: Quando houve a confirmação dos primeiros caso no Brasil começamos a juntar as informações sobre a doença para abordar o tema junto com as lideranças e comunidade. Fizemos algumas palestras sobre o Covid-19 para que os kalankó pudessem entender a gravidade da pandemia e claro para que eles ficassem informados de como deveriam se proteger.

Existem muitos desafios em relação a quarentena, muitas vezes motivadas, por questões culturais. Não é fácil para um povo que é acostumado a viver em conjunto, seja num roda de conversa ou num ritual, de repente ser informado que deve evitar aglomerações. Mas em relação ao atendimento no pólo base houve uma boa adesão das novas orientações por parte dos indígenas. Os indígenas passaram a procurar atendimento apenas nos casos de urgência, reduzindo assim as aglomerações, conforme foi orientado pelo Ministério da Saúde.

Eu acredito que o risco maior de contaminação está no fluxo de parentes que retornam das capitais para as aldeias. Sabemos que apesar da Aldeia Kalankó estar relativamente isolada, existe o risco desses indígenas adquirirem o Covid-19 nos centros urbanos e acabarem trazendo a doença para dentro da comunidade. O Pólo Base tem monitorado esses indígenas e orientado a quarentena logo que chegam de viagem.

No momento Kalankó não possui casos suspeitos nem confirmados de Covid-19.


OPARÁ: Como a política de Saúde Indígena tem se preparado para a prevenção e tratamento do Corona Vírus e quais são, em sua opinião, as especificidades e medidas que devem ser tomadas para evitar a contaminação e avanço do vírus em comunidades indígenas?


Vazigton Pataxó: A Política de Saúde Indígena/SESAI, criou o Plano de Contingência para infecção do COVID-19 para os povos indígenas, onde define a atuação de cada profissional da EMSI frente ao novo cenário. Além disso, várias notas técnicas são emitidas, encaminhadas e estudadas para atualizações quanto a grupos específicos (gestantes, puérperas, crianças, idosos, pacientes com comorbidades, entre outros). Para estudo da equipe são disponibilizados e ofertados cursos que são elaborados por várias instituições nacionais, com o intuito de capacitar as respectivas equipes.

Sabemos que nossa famílias indígenas são compostas por muitos indivíduos, que geralmente habitam a mesma casa. Além disso, há o fluxo de indígenas para os as cidades ao redor em situações diversas. E por fim, culturalmente há o Awê e as reuniões constantes para resolver demandas de cada aldeia. Portanto, o cuidado redobrado com a higienização das mãos, higienização respiratória, higienização de superfícies deve ser o principal foco; aliado à não circulação desses indivíduos entre a aldeia e outros locais; a não entrada de pessoas visitantes nas aldeias, a suspensão de reuniões e Awê neste período e o fechamento de Parques de visitas onde os indígenas estão alocados. São medidas urgentes e que são de suma importância para prevenção da infeção pelo coronavírus, o que se ocorre dentro de uma aldeia pode ter, pela configuração específica sócio-cultural, um estrago no processo de saúde-doença de nossas populações, que por si só são vulneráveis.


Pedro Tuxá: Pouco se sabe, até o momento, sobre a doença. É uma doença nova e que tem criado muitas dificuldades para a ciência. Ainda não temos medicamentos com eficiência comprovada na cura e nem temos vacina para a prevenção. Mas sabemos que a melhor ferramenta é a quarentena, o isolamento social. Sair de casa apenas quando for realmente necessário e usando máscara, que pode ser a de tecido mesmo. Quando sair de casa evitar ao máximo lugares com aglomerações, como as Feiras, e não fazer contato físico com outras pessoas. Lavar as mãos com sabão sempre que puder é também uma medida importante de prevenção.

Não fazer uso de medicações por conta própria também é importante, pois muitas notícias falsas são veiculadas nas redes sociais e podem acabar trazendo prejuízos para quem toma medicamentos sem orientação do profissional de saúde.

No Polo Base temos adotado medidas de proteção através do uso dos EPIs, álcool gel e sabão. O DSEI-AL disponibilizou alguns testes rápidos para Covid-19 para serem realizados nos indígenas de acordo com as indicações. As plataformas de estudo online também estão sendo importantes para a capacitação dos profissionais de saúde sobre a doença.

Acredito que esse é um momento que devemos estar atentos ao isolamento das aldeias, monitorar bem os indígenas que viajam para os centros urbanos e depois retornam para a comunidade. Orientar que esse não é o momento para viagens.

Foi realizada a Campanha de Vacinação da gripe H1N1 nos indígenas Kalankó.


Felipe Tuxá

Vazigton Pataxó









Pedro Tuxá

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